Vivemos num cenário de grande complexidade, podemos apontar a intensificação da cultura do consumo, a devastação e a consequente ameaça ao meio ambiente como alguns dos desafios à fé cristã, por isso, volta e meia eu tinha certos questionamentos relacionados ao meu trabalho e a minha fé: _ Como posso glorificar a Deus projetando usinas hidrelétricas? Até que ponto posso exercer minha liberdade cristã explorando a natureza?
Como muitos sabem, a construção e a utilização de usinas podem ter uma série de consequências negativas, que abrangem desde alterações nas características climáticas, hidrológicas e geomorfológicas locais até a morte de espécies que vivem nas áreas de inundação. Algumas vezes é necessário desapropriar grandes populações, às vezes cidades inteiras em prol de um "bem maior". Somando-se a isso, há poucos dias li um artigo onde pesquisadores afirmam que as florestas submersas geram gases tóxicos que podem contribuir com o aumento do efeito estufa. Este é um dos tópicos que será discutido na próxima conferência a ser realizada em Copenhague e que tem por objetivo reformular o Protocolo de Kyoto.
Por outro lado, quando comparamos com outras fontes alternativas de energia economicamente viáveis, as centrais hidrelétricas são consideradas formas mais eficientes, limpas e seguras de geração de energia. Suas atividades provocam emissão incomparavelmente menor de gases causadores do efeito estufa do que as das termelétricas movidas a combustíveis fósseis, além de não envolverem os riscos implicados, por exemplo, na operação das usinas nucleares (vazamento, contaminação de trabalhadores e da população com material radioativo etc.).
Diversos instrumentos governamentais foram criados nos últimos anos para ordenar a exploração do potencial hidrelétrico brasileiro e aprimorar as práticas ambientais no setor. Algumas dessas providências são realmente imprescindíveis para minimizar alguns dos efeitos adversos da construção e uso de centrais hidrelétricas, como por exemplo o reflorestamento das margens dos reservatórios e de seus afluentes; os programas de conservação da flora e da fauna e implantação de áreas protegidas; o inventário, resgate, realocação e monitoramento de espécies ameaçadas de extinção que ocorriam na área atingida; a avaliação dos efeitos do enchimento dos reservatórios sobre as águas subterrâneas; o monitoramento da qualidade da água; e a realização de estudos arqueológicos antes do enchimento do reservatório.
Será que com esses dispositivos criados pelo governo e tendo conhecimento que a energia hidrelétrica, apesar de suas mazelas, ainda é considerada uma das formas de energia mais limpas, eu possa agora me redimir de todos os prejuízos que causei e que ainda causarei ao meio ambiente? Acredito sinceramente que não.
Em Gênesis no relato da Criação, Deus nos fala que fomos criados a sua imagem e que recebemos domínio sobre a natureza para cultivá-la e guardá-la. Essa tarefa implicaria em observar, aprender e desenvolver técnicas para lidar com a natureza, ou seja, seria vista como resultado de uma administração inteligente dos recursos embutidos por Deus no jardim, com vistas a aperfeiçoá-los. Deus encarregou o homem de manifestar a sua imagem por meio desse trabalho criativo.
A convicção fundamental da ciência é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios regulares e constantes e, portanto, previsíveis. No mundo as coisas ocorrem de maneira confiável e regular. Essa base é dádiva da visão cristã de que o mundo foi criado por um único Deus, um Deus de ordem, de forma ordenada, coerente e unificada.
Foi Deus quem estabeleceu leis e princípios na natureza. Não foi a toa que coloquei a fórmula no desenho acima: a geração hidrelétrica está associada à vazão do rio, isto é, a quantidade de água disponível em um determinado período de tempo e à altura de sua queda. Quanto maiores são o volume, a velocidade da água e a altura de sua queda, maior é seu potencial de aproveitamento na geração de eletricidade (E=energia, Q=vazão, h=altura da queda, 9,8=constante gravitacional e t=tempo). Considero maravilhoso que exista tal ordem no universo e que possamos dela usufruir!
Ao entendermos o funcionamento do meio-ambiente, do mundo e seus recursos, podemos perceber os desastres que estamos causando por violarmos essas leis e prever soluções. Somos responsáveis diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais e pela preservação das demais espécies de animais.
Em um dos ótimos artigos do Rev. Augustos Nicodemus sobre esse tema, ele nos diz o seguinte:
"Vivemos num mundo afetado pelo pecado. De acordo com a Bíblia, quando o homem colocado no jardim se revoltou contra ele, Deus amaldiçoou a terra: Maldita é a terra por tua causa. E condenou o homem à morrer, a retornar ao pó de onde fora tirado. Um grande abismo se estabeleceu entre Deus e o homem, entre o homem e seus semelhantes, e entre o homem e a natureza. A crise que vivemos hoje se deve a estes abismos.
Separado de Deus, o homem perdeu a referência da sua existência e se tornou confuso, perdido, vazio, sem respostas.
Separado dos seus semelhantes, dedica-se a buscar seus próprios interesses, mesmo que à custa do próximo: daí surge a criminalidade, a opressão do próximo, a violência de todos os tipos.
Por esse motivo, a perspectiva cristã-reformada vê os problemas ambientais como sendo fundamentalmente de origem histórica moral e espiritual. E vê que a solução passa pela transformação interior das pessoas, uma mudança de mentalidade com relação a Deus, ao próximo e à natureza. Em suma, é esse o apelo e o chamado do Evangelho.
O Cristianismo ensina que o homem é responsável diante de Deus pelo uso racional e correto do mundo e da criação, pois é o mordomo de Deus dos bens criados por ele. A fé cristã com seu modo de ver o mundo provê os fundamentos epistemológicos, morais, espirituais e éticos para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral."
Por que nós cristãos não conseguimos preservar de maneira correta o "jardim"? Ao lermos o livro "Fé Cristã e Cultura Contemporânea" percebemos com mais clareza que realmente não existe uma mentalidade evangélica a respeito desse tema específico, já que muitos cristãos assumem formas de pensamento que revelam uma visão limitada do senhorio de Cristo e do alcance do reino de Deus.
O que se vê hoje é o homem tentando aumentar o espaço da liberdade humana à custa de reduzir o espaço da soberania divina. O famoso estadista holandês Abraham Kuyper declarou certa vez: “Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!”
Posso glorificar a Deus com meu trabalho deixando-o tomar o espaço que é seu de direito, ou melhor, o espaço que sempre foi seu, pois a liberdade humana não é ganha pela ausência, mas pela presença de Deus! Quando falo que Deus é soberano não quero dizer apenas que ele tem o direito de exercer sua liberdade em todas as áreas da minha vida, mas também de limitar o exercício da minha liberdade bloqueando qualquer resistência contrária a sua vontade. Nesse sentido Deus é a fonte de todo o poder. O Deus trino é o soberano absoluto, detentor do direito e das energias necessárias para fazer cumprir a sua vontade em cada área da vida, seja nas Artes, na Política, na Família, etc.
Diferente do racionalismo ocidental, o cristianismo considera que algumas questões concretas da sociedade, como justiça, solidariedade, amor ao próximo, reconciliação, paz e cuidado pelo meio ambiente, não são construções humanas. Antes suas origens remontam a um Criador amoroso e aos seus desígnios, que permitem viver a vida em toda a sua plenitude!
"A espiritualidade cristã deve se manifestar de forma integral e abranger todas as facetas da realidade criada por Deus. Todas as coisas, tanto no campo religioso como no cultural, acontecem sob a condução graciosa do Deus soberano, que em Cristo Jesus está realizando seus bons propósitos de reconciliação. Assim devemos perceber e viver a presença de Deus em atividades consideradas por muitos como "menos espirituais". Em nossa percepção da realidade não deve haver separação das coisas em sagradas e seculares, mais espirituais e menos espirituais, pois o que existe é a manifestação de dois reinos antagônicos, um fundado no amor de Deus e no amor a si mesmo e ao próximo, e o outro fundado na idolatria e no egoísmo humano." (*)
Certamento Deus é glorificado quanto o cristão procura ser cristão em todas as áreas, não somente na esfera religiosa ou ética.
(*) Se quiser aprofundar no tema, leia o livro "Fé Cristã e Cultura Contemporânea" publicado pela Editora Ultimato.