No dia 31 de outubro de 1517, um professor alemão de Teologia chamado Martinho Lutero (1483-1546) afixou uma folha de papel contendo noventa e cinco proposições "teses" para discussão, na porta da Igreja do Castelo em Wittenberg. Na sua época esse era um procedimento normal pois aqueles que desejavam iniciar um debate culto sobre um assunto, usavam a porta da igreja como quadro de avisos.
As teses questionavam a validade das indulgências, uma prática que a Igreja medieval havia desenvolvido para ajudar na salvação das almas. Elas baseavam-se na crença de que Cristo, a Virgem Maria e os santos haviam acumulado um excedente de boas ações (o "tesouro de méritos") do qual, de acordo com a Igreja, o papa podia lançar mão para perdoar a quantidade de castigo temporal (no purgatório) pelo pecado que as pessoas comuns teriam que sofrer. A princípio, essas reduções de tempo no purgatório antes de se entrar no céu eram oferecidas àquelas que haviam participado das cruzadas, peregrinações ou tinham realizado algum ato de grande mérito. Aos poucos, as condições para se conceder esses perdões foram relaxando e no final do século 15 elas podiam ser obtidas através da oferta de dinheiro para a Igreja. Para todos os efeitos, a distribuição de indulgência havia se tornado um negócio que empregava vendedores quase profissionais. As questões que Lutero levantou sobre essa prática não tinham a intenção de causar uma divisão na Igreja, mas foi o que aconteceu.
Lutero era filho de um mineiro de cobre na Saxônia. Como seu pai desejava que ele seguisse uma carreira na área de Direito, Lutero começou a estudar na Universidade de Erfurt em 1501 e recebeu um Mestrado em Ciências Humanas em 1505. Porém, no último ano uma experiência aterradora durante uma tempestade levou o jovem Lutero a abandonar suas ambições seculares e entrar para um mosteiro de eremitas agostinianos em Erfurt. Em 1507 ele foi ordenado para o sacerdócio, mas sua primeira missa foi uma experiência de tal modo intimidante que ele sentiu-se completamente inadequado.
A natureza introspectiva e questionadora de Lutero era tal que seu superior monástico, Johann von Staupitz, recomendou que ele continuasse seus estudos na Universidade de Wittemberg e em 1512 ele recebeu o doutorado em Teologia. Foi então nomeado professor nessa universidade, uma instituição fundada pelo duque da Saxônia em 1502. Além de lecionar, Lutero trabalhava como pastor da igreja da cidade e como supervisor administrativo de um mosteiro agostiniano na Saxônia. Certa vez foi enviado para tratar de assuntos monásticos em Roma, onde o caráter mundano da cidade que ele acreditava ser o centro da espiritualidade o deixou profundamente desiludido e desgostoso.
As primeiras palestras teológicas de Lutero eram sobre Salmos, Romanos, Gálatas e Hebreus. As anotações que fazia para estas indicam que ele havia abandonado a forma medieval tradicional de analisar o texto. Concentrando-se em questões de pecado, graça e retidão, ele seguia os ensinamentos de Agostinho de Hipona, rejeitando desse modo a abordagem escolástica. O que levou Lutero a repensar a Teologia foi o estado de desespero no qual ele se viu diante da presença de Deus. Ele queria a segurança da aceitação divina, mas consciente da enormidade do pecado, ele viu Deus apenas com uma justiça implacável que condenava todos os esforços da humanidade em encontrar perdão. Seu desejo de pagar o preço do pecado através das várias obras recomendadas pela Igreja e pela ordem agostiniana só fazia aumentar essa frustração.
Por fim, a solução da crise espiritual de Lutero veio de sua sensação de total desamparo diante de Deus e dos escritos dos apóstolo Paulo. Sua "descoberta evangélica" foi de que uma pessoa não é justificada pelas obras, mas sim pela fé na obra consumada de Cristo. Não há nada que um indivíduo possa fazer para merecer o perdão de Deus, mas se ele crer em Cristo, Deus lhe concederá a salvação e a vida eterna através do dom do Espírito Santo. Tudo isso acontece por meio da fé - ao entregar-se completamente à mensagem do evangelho. Aqui, Lutero descreve sua experiência:
Eu ansiava compreender a epístola de Paulo aos Romanos e não havia nada que me impedisse a não ser aquela expressão "a justiça de Deus", pois eu entendi que significava que se havia justiça então Deus era justo e agia com justiça ao punir os injustos. Minha situação era tal que, apesar de ser um monge impecável, eu estava diante de Deus como um pecador com a consciência perturbada e não tinha confiança de que meu mérito iria aplacar esse Deus.
Ponderava dia e noite até que enxerguei a ligação entre a justiça de Deus e a declaração de que "o justo viverá pela fé". Então, compreendi que a justiça de Deus é aquela retidão através da qual a graça e a misericórida de Deus nos justificam pela fé. A partir de então senti que havia nascido de novo e passado por portas abertas para o paraíso. As Escrituras como um todo adquiriram um novo significado e se antes a "justiça de deus" havia me enchido de ódio, agora tornara-se inexprimivelmente doce em maior amor. Essa passagem de Paulo tornou-se para mim o portal do céu.
Se você tem uma fé verdadeira de que Cristo é seu Salvador, então imediatamente você tem um Deus cheio de graça, pois a fé o guia e abre o coração de Deus bem como sua vontade para que você possa ver a graça pura e transbordar de amor.