quarta-feira, 19 de maio de 2010

ERITHEIA


B: facções; ARC: pelejas; ARA: discórdias; BJ: discussões; Mar: rixas; P: rivalidade; BLH: separam-se em partidos; BV: esforço constante para conseguir o melhor para si próprio. (...)
As numerosas e variadas traduções desta palavra demonstram a incerteza do seu significado. No entanto, fica bastante claro o que ela quer dizer de modo geral. Descreve uma atitude errada na realização de um serviço e na detenção de um cargo. No grego secular a palavra, com seu verbo correspondente, tinha dois sentidos.

i. Erithos é trabalhador diarista, ertheuesthai, o verbo, é trabalhar por contrato, e eriheia é o trabalho contratado. A palavra pode ser usada nesse contexto, sem o menor mau sentido. (...) Mas a distância entre trabalhar por pagamento e trabalhar somente por pagamento, ou trabalhar sem outro motivo do que ver quanto a pessoa pode ganhar, não é muito grande. A palavra, portanto, pode descrever a atitude do homem que não tem consideração pela prestação do serviço, nenhum orgulho no artesanato fino, nenhuma alegria no trabalho, e que se ocupa em qualquer trabalho visando somente o que pode ganhar com ele. (...)

ii. Em Aristóteles, eritheuesthai, o verbo, adquire outro significado. Talvez, aqui também, o significado não seja totalmente claro, mas neste caso a atmosfera geral também fica clara. Em Aristóteles a palavra significa angariar votos para um cargo mediante partidários contratados, e Aristóteles alista esta atividade como uma das práticas que finalmente levam às revoluções. Rackham a traduzia por "intrigas eleitorais". Por trás disto há algo da mesma idéia que se liga ao primeiro significado da palavra. A ação política descrita acha-se na atividade de um homem cujo único motivo é a ambição partidária ou pessoal, e que não concorre a um cargo com o desejo nobre de servir ao Estado, à comunidade, e ao seu próximo, mas que apenas procura satisfazer sua ambição pessoal, seu desejo pessoal pelo poder, ou a exaltação de um partido em concorrência com outros, e não pelo bem do estado. A palavra descreve a atitude do homem que está num emprego público visando as vantagens que pode usufruir, mas, desta vez, o motivo não é tanto o lucro material ou financeiro quanto o prestígio e poder pessoais. Burton traduz a palavra pela frase: "dedicação egoísta aos seus próprios interesses."

Paulo usa a palavra quatro vezes. Em Rm 2.8 fala daqueles que são ex eritheias, aqueles que são dominados pela eritheia e que desobedecem à verdade, e contrasta-os com aqueles que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade, e fica bem claro que não se trata de glória e honra humanas. Em 2Co 12.20 usa-a no tocante aos pecados que receia achar em Corinto, ligando-a com invejas, iras, porfias, detrações, intrigas, orgulho e tumultos. Em Fp 1.17 usa-a no tocante àqueles em cuja proclamação do evangelho o motivo principal é a concorrência com ele próprio, àqueles cuja pregação visa mais frustrá-los do que glorificar a Cristo. Em Fp 2.3 conclama os filipenses a fazerem nada com eritheia ou soberba, cada um considerando os outros superiores a si mesmo, e depois segue-se a gloriosa passagem que diz como Jesus Cristo esvaziou-Se da Sua glória por amor aos homens.

Estes usos são relevantes para fixar o significado que Paulo atribuía à palavra. Deve ser notado que três das quatro ocorrências aparecem nos contextos nos quais o problema principal acha-se nos partidos em mútua concorrência dentro da Igreja. A igreja em Corinto estava dividida em partidos concorrentes entre si; na Igreja em Filipos a pregação se tornara em um meio de diminuir a Paulo ao invés de proclamar a Cristo. Em Paulo, a palavra denota claramente o espírito de ambição e rivalidade pessoais que tem como resultado um partidarismo que considera o partido acima da Igreja.

Semelhante motivação já seria bastante ruim no mundo, mas é uma tragédia quando invade a Igreja. Mas é exatamente isso o que acontece. Há aqules cuja obra na Igreja visa exaltar sua própria proeminência e importância, e que ficam amargamente decepcionados quando não recebem a posição e as honrarias que acreditam ter merecido. Há aqueles, por mais cruel que pareça ser esta declaração, que trabalham em comissões e juntas porque estes são o único lugar no mundo onde podem parecer ser alguém. O serviço deles, que parece ser voluntário, é um meio de gratificar um desejo pelo poder.

Além disso, há aqueles membros na Igreja, o pior tipo deles, que realmente planejam e fazem intrigas para apoiarem uma política ou uma linha; e é bem possível que estejam mais interessados em obter o triunfo da sua política do que o bem-estar geral da igreja. Não é impossível ouvir debates prolongados nas reuniões da Igreja onde a preocupação não visa tanto a missão da Igreja quanto o triunfo de algum partido, política, ou até mesmo pessoa dentro da Igreja.

Há uma só resposta para tudo isso. Enquanto Cristo ficar no centro da vida do indivíduo e da Igreja, eritheia, a ambição pessoal e a rivalidade partidária, não poderá sequer começar a aparecer; mas quando Cristo for removido do centro e as ambições políticas de qualquer homem se tornarem o centro, certa e inevitavelmente eritheia, a competição pessoal, invadirá a Igreja e perturbará a paz dos irmãos.

Trecho retirado do livro "As Obras da Carne e o Fruto do Espírito" de William Barclay, Volume 2. Publicado pela editora Vida Nova*.


* Os editores deixam claro em nota que a publicação desta bela obra de William Barclay não significa que endossam a teologia dele. O Prof. Barclay não era evangélico, uma vez que negava a inspiração plenária das Escrituras, a divindade de Jesus Cristo e a condenação eterna dos ímpios, entre outras doutrinas fundamentais. Os editores crêem que seria um grave erro concluir que a divulgação de suas valiosas pesquisas sobre termos gregos, visando uma compreensão maior do Novo Testamento, também inclui o apoio às posições anti-cristãs que Barclay abraçava.

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